sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

RIO 2016 - INFLUÊNCIA DA TRIADE TEMPERATURA, HUMIDADE E HIDRATAÇÃO


INFLUÊNCIA DA TRIADE TEMPERATURA, HUMIDADE E HIDRATAÇÃO NA PERFORMANCE DESPORTIVA

A maioria das competições internacionais são realizadas durante o verão. Nos últimos anos, os países organizadores têm-se situado em hemisférios com temperaturas e humidades elevadas, como por exemplo, os Jogos Olímpicos de 2008, o Campeonato do Mundo de Atletismo 2015 e os Jogos Olímpicos 2016.

Foram analisados os 10 melhores tempos de 8 provas (100m, 200m, 400, 800m, 1500, 5000m, 10000m e maratona), realizados em 7 mundiais organizados pela IAFF entre 1999 e 2011. Os resultados foram divididos de acordo com a com a humidade e temperatura:

·         Climas temperados 18.5±3.2ºC, 59.6±7% => sensação térmica <25ºC

·         Climas quentes 30±4.3ºC, 61.3±4.9% => sensação térmica>25ºC

Observou-se que as provas concretizadas em climas quentes resultaram numa melhoria dos resultados nas distâncias curtas. Por outro lado, os eventos de meio fundo pouco ou nada foram afectados pelo calor, enquanto as provas de fundo apresentaram mesmo uma diminuição da performance.

100m
200m
400m
800m
1500m
5000m
10000m
Maratona
1,3%
1.5%
0,2 %
↓ 0,2%
0,1%
↓ 1,3%
0,7%
3.1%

Tabela-1 Influencia dos climas quentes na performance desportiva comparativamente a climas temperados

A maratona foi a prova que obteve maiores alterações, com uma redução da performance em aproximadamente 3%.

Durante o exercício ao calor, o fluxo sanguíneo da pele aumenta, associado ao incremento da taxa de produção de suor, permitindo a dissipação do calor produzido para o ambiente externo. Ocorre, assim, uma transferência de calor a partir do core para a pele, surgindo um aumento do gradiente da temperatura do core, sangue e pele. O aumento da temperatura corporal provoca uma redistribuição do débito cardíaco, obtida através de uma diminuição da perfusão dos órgãos internos e um aumento do sangue na pele. Subjacente a estas adaptações, é necessário o aumento da frequência cardíaca para garantir o débito cardíaco necessário.

Quando as intensidades do exercício e o calor são de tal magnitude que a produção endógena de calor ultrapassa a capacidade de dissipação de calor para o ambiente, a hipertermia impossibilita a capacidade da manutenção do debito cardíaco devido à queda do volume sistólico e aumento da temperatura do core. A hipertermia ocorre quando a temperatura do core são superiores a 40ºC, o que induz a uma diminuição da activação músculo-esquelética ao nível do sistema nervoso central. O aumento da temperatura no hipotálamo induz sinais inibitórios da activação músculo-esquelética, originando perturbações na capacidade do cérebro em sustentar a actividade motora.

A activação da termorregulação associada à exposição ao calor, inclui o aumento da frequência cardíaca, temperatura do core e da pele, fluxo sanguíneo da pele, percepção ao esforço, tensão térmica, sensação de sede e perda de agua corporal. A alteração destes parâmetros fisiológicos pode potenciar ou prejudicar o rendimento desportivo.  

O aumento moderado da temperatura do corpo pode beneficiar o desempenho nas provas de curta distancia, através do aumento da velocidade das reacções químicas e condução nervosa no músculo-esquelético. Um aumento da temperatura em 10ºC no músculo duplica a velocidade dos processos envolvidos com a mecânica muscular (velocidade e poder de contracção) e reacções metabólicas. Em contraste, uma elevação excessiva da temperatura corporal (hipertermia) durante a actividade, prejudica a performance durante o exercício prolongado.

O stress induzido pelo calor e exercício pode levar ao estado de desidratação, resultando numa diminuição do volume plasmático, concentração de sódio, aumento da osmolalidade plasmática e estimulação da sensação de sede.

Os atletas que vão competir em climas quentes devem passar por um processo de aclimatização, para obter as adaptações fisiológicas necessárias (tabela 2). Estas adaptações consistem na diminuição da frequência cardíaca, temperatura do core e pele, aumento da taxa de sudorese e capacidade de realizar trabalho físico. As adaptações aos climas quentes ocorrem mais rapidamente em atletas de elite comparativamente a atletas recreativos, desenvolvem-se também mais rapidamente na primeira semana e mais lentamente na segunda. São necessárias 6-10 dias para atingir as adaptações completas do sistema cardiovasculares e dos mecanismos da termorregulação.

Objectivo
Duração
Período
Conteúdo
Ambiente
Pré-Temporada
↑ Estímulo de treino
1-2 Semanas
Preparatório
 
Treino regular 75-90’
temp. corporal e induzir sudorese
Stress térmico natural ou artificial
Competição alvo
Optimização futura da aclimatização e avaliar as respostas fisiológicas ao calor
2 Semanas
Pré competitivo
1 Mês anterior à competição
Treino regular, estímulo de competição e tete de resposta ao calor
Equivalente ao ambiente competitivo
Competição objectivo
Optimização da performance ao calor
1-2 Semanas
Competitivo
Treino pré competição
Igual ao da competição

Tabela 2- protocolo de aclimatização de acordo com o período de treino

Como foi referido anteriormente, a hipertermia durante o exercício e em condições de ambientes quentes está associada ao aumento da taxa de produção de suor, o que pode levar a uma desidratação progressiva, se as perdas de fluidos não forem repostas. A desidratação leva a uma diminuição do volume plasmático e aumento da osmolalidade do plasma, que são proporcionais à redução da água corporal.

A diminuição da água corporal é equivalente ao peso perdido durante o esforço. Numerosos estudos relatam que a desidratação prejudica a performance aeróbia, quando ocorre uma perda superior a 2% do peso corporal. Todavia, esta premissa não é consensual; estudos recentes sugerem que a desidratação até 4% não altera o desempenho. Pensa-se que a ideia de que as consequências prejudiciais da desidratação (2% do peso corporal), foram subestimadas pelas empresas de bebidas desportivas, e, que os atletas deveriam beber ao estímulo da sede. Em última análise, o beber à “sede”, pode ser apropriado em muitos eventos desportivos, mas não em circunstâncias em que é esperado uma desidratação grave (maratonas, ultramaratonas, ironman).

A hidratação durante o exercício está dependente da disponibilidade de fluidos e da especificidade dos eventos. No entanto, existem outros factores intervenientes, tais como as diferenças individuais dos atletas: os mais rápidos não conseguem ingerir grande volume de fluidos e os mais lentos por vezes podem beber em excesso, associado ao risco de intoxicação por água.

Hidratação Pré exercício

Em climas temperados os seres humanos estão bem hidratados, sendo a variação do peso corporal entre 0,2-0,7% do peso corporal por dia. Em ambientes quentes os atletas devem garantir uma boa hidratação diária de forma a repor a água e os electrólitos perdidos.  Geralmente, beber 6ml/Kg durante o período de adaptação em cada 2-3 horas é suficiente para manter o estado de hidratado.

Hidratação - Durante o exercício

As perdas de suor variam durante o exercício e estão dependentes da taxa de produção de energia, condições ambientais e estado de aclimatização ao calor. Embora taxas de sudorese entre 1-1,5 litros/hora são consideradas normais, existem atletas que podem exceder 2,5 litros/ hora. Atletas que apresentem elevadas produções de suor devem aumentar a ingestão de sódio nos dias que antecedem o exercício e, se necessário, suplementar durante o evento. Uma diminuição de 20-30% das concentrações plasmáticas de sódio está relacionada com o aumento de cãibras durante o exercício. Em climas quentes os atletas devem adicionar 3g de sal/0,5 litros de líquido que contenha hidratos de carbono.

Hidratação – Pós exercício

Após o treino/competição em ambientes quentes, a rehidratação é importante para optimizara recuperação. O peso perdido deve ser rapidamente reposto na hora após o término da prova ou treino. Por cada kg perdido durante o exercício, deve-se ingerir entre 1-1,2 litros de líquido que contenha hidratos de carbono, proteína e sódio. A combinação destes nutrientes resulta em elevadas taxas de síntese de glicogénio muscular e síntese proteica. Sugere-se a utilização do leite com chocolate que tem uma proporção de 4g de hidratos por 1g de proteína, assim como, uma concentração de sódio ideal.

As provas realizadas em ambientes quentes e húmidos podem prejudicar ou potenciar o rendimento desportivo; atletas de distâncias curtas podem ser beneficiados pelo aumento da temperatura corporal, todavia, os desportos de resistência necessitam de um período de aclimatização assim como cuidados extras relativamente hidratação nas diferentes fases assim como um aporte extra de sódio.