Por: Dietista Mafalda Ng
Os glícidos, também designados de hidratos de carbono
(HC), constituem o maior substrato energético das funções celulares essenciais
para o normal funcionamento do organismo. Os glícidos exógenos (provenientes da
alimentação) são oxidados e convertidos em glicose, que pode ser imediatamente
utilizada para produzir energia, ou ser armazenada sob a forma de glicogénio
muscular e hepático.
Desta forma, e em condições normais, o organismo
dispõe de reservas glicídicas endógenas - glicogénio presente no músculo e no
fígado, e glicose presente no sangue. Estas reservas constituem as principais
fontes de glicose ao músculo e sistema nervoso central, necessárias para um
indivíduo exercer força muscular. Porém, estas reservas apenas são suficientes durante
cerca de 90 minutos de exercício de intensidade moderada a intensa. Se o
exercício muscular continuar, sem qualquer ingestão de glícidos, existe uma
depleção progressiva das mesmas até se atingir um estado de hipoglicémia (níveis
baixos de glicose no sangue). A este estado de depleção glicogénica atribui-se
a expressão “hitting the wall” dado
que não permite ao atleta continuar a exercer o movimento muscular de forma
eficaz, sendo obrigado a abrandar o passo ou até mesmo parar.
A adequação da ingestão glicídica antes, durante e
depois do treino é fundamental para garantir a performance desportiva durante
os ciclos de treino e competições de um atleta, dado que permite a manutenção das
reservas de glicogénio. Desta forma, glicogénio muscular pode ser recuperado em
cerca de 5% por hora, sendo necessárias 24 horas para repor totalmente as
reservas que foram depletadas.
De acordo com as recomendações para a população
geral, 45 a 65% do valor energético total da dieta deve provir dos glícidos -
obtidos principalmente através de cereais integrais, fruta e leguminosas - no
entanto, esta recomendação glicídica em termos percentuais não é adequada para
atletas dado que estes apresentam um dispêndio energético muito acima do
“normal” e portanto, uma maior necessidade em glícidos. A ingestão de glícidos
para atletas deve ser adequada ao seu peso e ao custo energético do treino, de
forma a recuperar totalmente, em 24 horas, as reservas de glicogénio que foram gastas
durante o esforço físico. As necessidades glicídicas diárias de um atleta podem
variar entre 5 e 7 gramas por kilograma de peso para atletas com um programa de
treino moderado, e entre 7 a 12g/kg para atletas com um programa de treino
moderado a elevado. Como exemplo, um atleta com 60kg pode ter de ingerir entre
300 a 720g de glícidos por dia dependendo das caraterísticas do treino (tipo,
intensidade, duração e frequência). Uma restrição deste nutriente na
alimentação de um atleta interfere significativamente na síntese de glicogénio
e o seu reabastecimento torna-se ineficaz.
Antes do treino, a refeição deve ser rica em glícidos
de forma a aumentar as reservas de glicogénio muscular e hepático, e mantê-las
ao longo do mesmo. Esta refeição poderá ocorrer entre 1 a 4 horas antes de se
iniciar o treino (dependendo da tolerância gastrointestinal do atleta), e a quantidade
de glícidos deve ser de 1 a 4g/kg, de acordo com este tempo. Ou seja, o atleta
de 60kg deve ingerir 60g ou 240g de glícidos se pretender iniciar o treino
dentro de 1 ou 4 horas, respetivamente. Nesta refeição, os alimentos líquidos
apresentam maiores benefícios em relação aos sólidos dado que para além de serem
mais rapidamente digeridos, não deixam resíduos gástricos. Tem-se verificado um
efeito adicional positivo quando uma ingestão pré-treino é associada à ingestão
durante o treino.
Durante o treino, permanece o objetivo em
manter os níveis de glicose sanguínea adequada para exercer o esforço físico. Durante
os treinos curtos (cerca de 60-90 minutos), não há necessidade da ingestão de
glícidos dado que as reservas de glicogénio muscular e hepático são suficientes
para manter estes níveis. Um atleta consegue manter o esforço físico durante
este período apenas com a ingestão hídrica. No entanto, há evidência de que em
treinos com duração de 45-75 minutos, bochechar quantidades muito pequenas de
glícidos, de sabor doce ou mesmo neutro durante 5 a 10 segundos, desencadeia
mecanismos do sistema nervoso central que provocam uma sensação de bem-estar e recompensa
e consequentemente, aumento da performance em 2 a 3%. As bebidas isotónicas são
uma boa estratégia nestes casos.
Contrariamente, em treinos prolongados cuja duração é
superior a 60-90 minutos e a intensidade moderada a elevada, as reservas de glícidos
endógenos começam a entrar em depleção, sendo por isso necessário garantir a ingestão glicídica de forma a manter os
níveis de glicose sanguínea adequados e poupar o glicogénio. Esta estratégia permite
travar a fadiga e alcançar uma maior capacidade de resistência e performance do
atleta. Verificam-se benefícios aquando da ingestão de 0,5 a 1g/kg por hora em
treinos prolongados, e portanto, as recomendações indicam que durante um treino
de 1 a 2 horas e meia (exercício de resistência e/ou interminente) a ingestão glicídica
deve ser de 30 a 60g por hora, e quando este se prolonga para mais de duas
horas e meia (exercício de resistência ou ultra-resistência) deverá subir para
valores de 80 a 90g por hora. As barras energéticas e géis são opções práticas capazes
de proporcionar estas quantidades glicídicas durante o treino. É necessário ter
em conta que para ingerir quantidades elevadas de glícidos (80-90g), estes
devem ser de vários tipos – glicose, frutose e sacarose - de forma a não
comprometer a sua absorção intestinal por saturação dos transportadores de
glicose. Assim, um atleta deve ingerir 80-90g de glícidos de várias fontes
(e.g. cereais e fruta) ao invés de uma só fonte.
Após o treino, é necessário um rápido reabastecimento
das reservas de glicogénio muscular e hepático para uma recuperação eficaz
entre treinos e competições, com consequente aumento da força e resistência
para as próximas sessões de treino. A duração e a intensidade do treino
determinam a quantidade de glicogénio que foi utilizado, e qual a quantidade
glicídica que é necessário ingerir para a sua reposição. A refeição pós-treino deve acontecer até 2
horas após o exercício, dado que é durante este período, designado de “janela
de oportunidade”, que a reposição
de glicogénio é mais eficaz. Este facto deve-se ao volume de sangue que circula
até aos músculos ser mais elevado, e às células musculares estarem mais
sensíveis aos efeitos da insulina e captarem melhor a glicose. Relativamente à
quantidade, tem-se verificado que o pico máximo de síntese de glicogénio é
atingido aquando da ingestão glicídica de 1g/kg por hora, associada a
15-25g de proteínas de alto valor biológico, durante as primeiras 4 horas após
terminar o treino. Obtém-se melhores resultados quando, durante estas 4 horas,
a ingestão é frequente (com intervalos de 15 a 30 minutos) e em pequenas
quantidades, comparativamente à ingestão de grandes quantidades de 2 em 2
horas. Mais uma vez como exemplo, o atleta de 60kg após terminar um treino com
duração de 1 hora deve ingerir 60g de glícidos, enquanto que se o treino teve
uma duração de 2 horas deverá ingerir 120g de glícidos (juntamente com as 15-25g
de proteína), de forma frequente e em pequenas quantidades.
Relativamente ao tipo de glícidos que devem ser
ingeridos nestes períodos ainda existem algumas controvérias. Maior parte dos
estudos recomendam a ingestão de glícidos de baixo índice glicémico (IG) antes
do treino, e de moderado a elevado índice glicémico durante e após o treino. No
entanto, não é propriamente o tipo de glícidos que importa mas sim, garantir
que durante as 24 horas de recuperação o atleta ingira as quantidades glicídica
e energética adequadas. A importância de associar a proteína aos glícidos no
pós-treino deve-se ao facto destas potenciarem a síntese de glicogénio
muscular.
Em suma, o tipo,
timming e quantidade de glícidos a
ingerir devem ser sempre individualizados de acordo com as caraterísticas do
atleta e do programa de treino.
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