segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Tipo/Timing/Quantidade de glícidos no Exercício

Por: Dietista Mafalda Ng

Os glícidos, também designados de hidratos de carbono (HC), constituem o maior substrato energético das funções celulares essenciais para o normal funcionamento do organismo. Os glícidos exógenos (provenientes da alimentação) são oxidados e convertidos em glicose, que pode ser imediatamente utilizada para produzir energia, ou ser armazenada sob a forma de glicogénio muscular e hepático.

Desta forma, e em condições normais, o organismo dispõe de reservas glicídicas endógenas - glicogénio presente no músculo e no fígado, e glicose presente no sangue. Estas reservas constituem as principais fontes de glicose ao músculo e sistema nervoso central, necessárias para um indivíduo exercer força muscular. Porém, estas reservas apenas são suficientes durante cerca de 90 minutos de exercício de intensidade moderada a intensa. Se o exercício muscular continuar, sem qualquer ingestão de glícidos, existe uma depleção progressiva das mesmas até se atingir um estado de hipoglicémia (níveis baixos de glicose no sangue). A este estado de depleção glicogénica atribui-se a expressão “hitting the wall” dado que não permite ao atleta continuar a exercer o movimento muscular de forma eficaz, sendo obrigado a abrandar o passo ou até mesmo parar.

A adequação da ingestão glicídica antes, durante e depois do treino é fundamental para garantir a performance desportiva durante os ciclos de treino e competições de um atleta, dado que permite a manutenção das reservas de glicogénio. Desta forma, glicogénio muscular pode ser recuperado em cerca de 5% por hora, sendo necessárias 24 horas para repor totalmente as reservas que foram depletadas.


De acordo com as recomendações para a população geral, 45 a 65% do valor energético total da dieta deve provir dos glícidos - obtidos principalmente através de cereais integrais, fruta e leguminosas - no entanto, esta recomendação glicídica em termos percentuais não é adequada para atletas dado que estes apresentam um dispêndio energético muito acima do “normal” e portanto, uma maior necessidade em glícidos. A ingestão de glícidos para atletas deve ser adequada ao seu peso e ao custo energético do treino, de forma a recuperar totalmente, em 24 horas, as reservas de glicogénio que foram gastas durante o esforço físico. As necessidades glicídicas diárias de um atleta podem variar entre 5 e 7 gramas por kilograma de peso para atletas com um programa de treino moderado, e entre 7 a 12g/kg para atletas com um programa de treino moderado a elevado. Como exemplo, um atleta com 60kg pode ter de ingerir entre 300 a 720g de glícidos por dia dependendo das caraterísticas do treino (tipo, intensidade, duração e frequência). Uma restrição deste nutriente na alimentação de um atleta interfere significativamente na síntese de glicogénio e o seu reabastecimento torna-se ineficaz.

Antes do treino, a refeição deve ser rica em glícidos de forma a aumentar as reservas de glicogénio muscular e hepático, e mantê-las ao longo do mesmo. Esta refeição poderá ocorrer entre 1 a 4 horas antes de se iniciar o treino (dependendo da tolerância gastrointestinal do atleta), e a quantidade de glícidos deve ser de 1 a 4g/kg, de acordo com este tempo. Ou seja, o atleta de 60kg deve ingerir 60g ou 240g de glícidos se pretender iniciar o treino dentro de 1 ou 4 horas, respetivamente. Nesta refeição, os alimentos líquidos apresentam maiores benefícios em relação aos sólidos dado que para além de serem mais rapidamente digeridos, não deixam resíduos gástricos. Tem-se verificado um efeito adicional positivo quando uma ingestão pré-treino é associada à ingestão durante o treino.


Durante o treino, permanece o objetivo em manter os níveis de glicose sanguínea adequada para exercer o esforço físico. Durante os treinos curtos (cerca de 60-90 minutos), não há necessidade da ingestão de glícidos dado que as reservas de glicogénio muscular e hepático são suficientes para manter estes níveis. Um atleta consegue manter o esforço físico durante este período apenas com a ingestão hídrica. No entanto, há evidência de que em treinos com duração de 45-75 minutos, bochechar quantidades muito pequenas de glícidos, de sabor doce ou mesmo neutro durante 5 a 10 segundos, desencadeia mecanismos do sistema nervoso central que provocam uma sensação de bem-estar e recompensa e consequentemente, aumento da performance em 2 a 3%. As bebidas isotónicas são uma boa estratégia nestes casos.

Contrariamente, em treinos prolongados cuja duração é superior a 60-90 minutos e a intensidade moderada a elevada, as reservas de glícidos endógenos começam a entrar em depleção, sendo por isso necessário garantir a ingestão glicídica de forma a manter os níveis de glicose sanguínea adequados e poupar o glicogénio. Esta estratégia permite travar a fadiga e alcançar uma maior capacidade de resistência e performance do atleta. Verificam-se benefícios aquando da ingestão de 0,5 a 1g/kg por hora em treinos prolongados, e portanto, as recomendações indicam que durante um treino de 1 a 2 horas e meia (exercício de resistência e/ou interminente) a ingestão glicídica deve ser de 30 a 60g por hora, e quando este se prolonga para mais de duas horas e meia (exercício de resistência ou ultra-resistência) deverá subir para valores de 80 a 90g por hora. As barras energéticas e géis são opções práticas capazes de proporcionar estas quantidades glicídicas durante o treino. É necessário ter em conta que para ingerir quantidades elevadas de glícidos (80-90g), estes devem ser de vários tipos – glicose, frutose e sacarose - de forma a não comprometer a sua absorção intestinal por saturação dos transportadores de glicose. Assim, um atleta deve ingerir 80-90g de glícidos de várias fontes (e.g. cereais e fruta) ao invés de uma só fonte.

Após o treino, é necessário um rápido reabastecimento das reservas de glicogénio muscular e hepático para uma recuperação eficaz entre treinos e competições, com consequente aumento da força e resistência para as próximas sessões de treino. A duração e a intensidade do treino determinam a quantidade de glicogénio que foi utilizado, e qual a quantidade glicídica que é necessário ingerir para a sua reposição.  A refeição pós-treino deve acontecer até 2 horas após o exercício, dado que é durante este período, designado de “janela de oportunidade”, que a reposição de glicogénio é mais eficaz. Este facto deve-se ao volume de sangue que circula até aos músculos ser mais elevado, e às células musculares estarem mais sensíveis aos efeitos da insulina e captarem melhor a glicose. Relativamente à quantidade, tem-se verificado que o pico máximo de síntese de glicogénio é atingido aquando da ingestão glicídica de 1g/kg por hora, associada a 15-25g de proteínas de alto valor biológico, durante as primeiras 4 horas após terminar o treino. Obtém-se melhores resultados quando, durante estas 4 horas, a ingestão é frequente (com intervalos de 15 a 30 minutos) e em pequenas quantidades, comparativamente à ingestão de grandes quantidades de 2 em 2 horas. Mais uma vez como exemplo, o atleta de 60kg após terminar um treino com duração de 1 hora deve ingerir 60g de glícidos, enquanto que se o treino teve uma duração de 2 horas deverá ingerir 120g de glícidos (juntamente com as 15-25g de proteína), de forma frequente e em pequenas quantidades.

Relativamente ao tipo de glícidos que devem ser ingeridos nestes períodos ainda existem algumas controvérias. Maior parte dos estudos recomendam a ingestão de glícidos de baixo índice glicémico (IG) antes do treino, e de moderado a elevado índice glicémico durante e após o treino. No entanto, não é propriamente o tipo de glícidos que importa mas sim, garantir que durante as 24 horas de recuperação o atleta ingira as quantidades glicídica e energética adequadas. A importância de associar a proteína aos glícidos no pós-treino deve-se ao facto destas potenciarem a síntese de glicogénio muscular.


Em suma, o tipo, timming e quantidade de glícidos a ingerir devem ser sempre individualizados de acordo com as caraterísticas do atleta e do programa de treino. 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Distúrbios gastro intestinais durante o exercício

Problemas gastro intestinais durante o exercício
Os problemas gastro intestinais são muito comuns em atletas de fundo, 30-90% já tiveram distúrbios gastro intestinais durante o exercício. Os sintomas mais comuns são: azia, dor abdominal, refluxo gastro esofágico, náuseas, vómitos, flatulência, cólicas, diarreia, obstipação e perda de apetite.
No início do exercício ocorre um aumento dos impulsos dos centros motores no sistema nervoso central que estão inteiramente dependentes da intensidade e duração do exercício.
Estas alterações provocam o aumento da actividade simpático-renal e hormonas hipofisárias que controlam a segregação das células endócrinas, originando a diminuição da insulina, aumento do glucagon, estimulação do eixo renina-angiotensina-aldosterona e peptídeos relacionados com a homeostasia do tracto gastro intestinal. O exercício diminui as concentrações da grelina (diminui a sensação de fome), e aumenta o peptídeo YY (diminui o esvaziamento gástrico), Glucagon Like Peptídeo 1 (diminui as concentrações da insulina) e polipeptídeo pancreático (diminui as segregações de bicarbonato e enzimas pancreáticas), o que irá provocar numa diminuição do esvaziamento gástrico aumentando assim o risco de ocorrência de problemas gastro intestinais.
Ao nível do sistema cardiovascular o distúrbio da homeostasia induzida pelo exercício, provoca um aumento do débito cardíaco e uma redistribuição do fluxo sanguíneo do mesentérico (membrana que contem vasos sanguíneos do tracto gastro intestinal), para o coração, músculos, pulmões e pele.
A associação destes factores fisiológicos com o próprio movimento visceral (factor mecânico) e a ingestão de alimentos durante o exercício potenciam a ocorrência dos distúrbios gastro intestinais (figura 1).


Factores Isquémicos
A redistribuição do fluxo sanguíneo permite o aumento da perfusão dos tecidos activos, originando numa diminuição de 80% a nível visceral comparativamente ao estado de repouso. Ficando a mucosa intestinal sujeita a uma isquemia transitória, provocando o aumento da permeabilidade da mucosa, diminuição da actividade peristáltica do esófago, tónus do esfíncter esofágico, o que poderá estar relacionado com o aumento de refluxo gastro esofágico.
 O exercício moderado parece não ter efeito sobre a motilidade gastro intestinal, todavia, em ambientes competitivos onde a intensidade é maior, os sintomas aumentam. A intensidade e os níveis de desidratação também estão associados á ocorrência de distúrbio gastro intestinais durante os eventos desportivos. A absorção não está comprometida, no entanto a permeabilidade da mucosa aumenta, resultando na destruição da barreira imunológica da mucosa intestinal causando diarreia devido á entrada de microorganismo nas células do intestino (endotoxémia).
Factores mecânicos
Durante o exercício existe um aumento da vibração da parede abdominal, associado ao aumento da pressão intra-abdominal, impacto e deslocamento das vísceras, causando trauma mecânico nos órgãos internos. Ocorrendo um aumento no gradiente de pressão entre o esófago e o estomago o que associado a um relaxamento do esfíncter esofágico resulta num aumento do refluxo gastro esofágico, o que está associado a sintomas tais como: vómitos e náuseas. Outro factor importante está relacionado com o angulo de curvado do tronco sobre os membros inferiores. Observou-se que em triatletas de longa distancia (ironman), que exibiam menor angulo na posição “aerodinâmica” estava correlacionado com um aumento dos sintomas. Na corrida de fundo esta posição não acontece, todavia durante as subidas das corridas de trail, existe uma diminuição deste angulo, associado ao aumento da pressão abdominal causada pelo aumento de força exercida, o que por si só poderá ser um factor de risco.

Factores endócrinos/neuroimunes
O exercício estimula o eixo hipófise-adrenal, levando ao aumento da concentração de varias hormonas imunossupressoras, uma delas é o cortisol, o que provoca o aumento da susceptibilidade às infecções respiratórias das vias superiores. O cortisol inibe a produção da imunoglobina SLgA, causando uma diminuição dos linfócitos B após o exercício. A supressão da SLgA, também está associado ao balanço energético negativo e à “anorexia induzida pelo exercício”. Restrições alimentares também resultam numa diminuição da imunoglobina SLgA.

Factores Nutricionais

Alimentos ricos em fibra, gordura, proteína, frutose estão associados a um maior risco de desenvolver problemas gastro intestinais. Resultam numa diminuição do esvaziamento gástrico e aumento do líquido para o lúmen intestinal.
As recomendações nutricionais aconselham a ingestão de glícidos para provas superiores a 90 minutos. Todavia, existe evidência que a ingestão de glícidos durante o exercício está associado ao aumento das náuseas e flatulência, no entanto a elevada ingestão está igualmente correlacionada com os tempos de chegados mais rápidos, o que sugere que estes sintomas não apresentam qualquer efeito negativo sobre o desempenho desportivo.
A ingestão de glícidos por si só, não provocam problemas gastro intestinais, estes poderão estar relacionados com vários factores: concentração de glícidos nas bebidas, tipo de monossacarídeo, osmolalidade e acidez das bebidas.
Estratégias nutricionais
Os atletas que não tem o habito de ingerir alimentos durante o exercício apresentam um risco duas vezes superior ao desenvolvimento de sintomas gastro intestinais que os atletas adaptados.
A adaptabilidade do intestino está demonstrado que o treino associado a elevada ingestão resulta num aumento da oxidação de glícidos exógenos e diminuição dos sintomas. Estes resultados demonstraram que existe uma maior capacidade de absorção no intestino quando este é sujeito a elevada quantidades de glícidos durante os treinos.
O treino associado às estratégias nutricionais aumenta o conforto e a tolerância do sistema gastro intestinal.
Outros factores
Grande número de atletas utiliza analgésicos (ibuprofeno e aspirina), para atenuar as dores durante as provas. A sua utilização está associada ao aumento do risco de hemorragias, náuseas, vómitos e diminuição da perfusão três a cinco vezes.

Implicações práticas


  • Evitar alimentos ricos em gordura, fibra, proteína no dia ou até mesmo nos dias que precedem a prova, de modo a aumentar a motilidade intestinal nas horas/dias prévios à competição
  • Desencorajar a utilização de analgésicos pré ou durante a prova
  • Prevenir a desidratação, a ingestão de líquidos deve ser baseada na taxa de sudorese do atleta
  • A concentração de glícidos nas bebidas deve de estar adequada ao atleta
  •  Utilizar múltiplos transportadores de glícidos, evitar alimentos ricos em frutose
Conclusão:

Novas estratégias devem estar incorporadas no plano de treino, o que permitirá ao atleta descobrir o que tolera melhor, reduzindo a probabilidade de ocorrência de distúrbios gastro intestinais.
O intestino é considerado um órgão atlético, porque permite o aporte de água e nutrientes durante o exercício. Os sintomas gastro intestinais são muito frequentes entre atletas, a maioria destes sintomas são leves. O treino da nutrição diminui a ocorrência de distúrbios garantindo um rápido esvaziamento gástrico, absorção intestinal e manutenção da perfusão vascular esplénica .

sábado, 4 de julho de 2015

Proteínas whey, caseína e proteína de soja, qual a mais eficaz na síntese muscular?

Por: Mafalda Ng.

As proteínas são compostos orgânicos formados por aminoácidos (AA), e constituem o componente  estrutural major do músculo e  outros tecidos do organismo. Através da dieta, as proteínas podem provir de fontes animais e vegetais. As proteínas animais, dado que contêm todos os aminoácidos essenciais (completas),  possuem um valor biológico (VB) superior às vegetais, que geralmente têm falta de um ou dois aminoácidos essenciais (incompletas). No entanto, uma combinação apropriada de proteínas vegetais providencia todos os aminoácidos essenciais (AAE) e portanto, benefícios semelhantes às proteínas animais

O VB mede a qualidade proteica, refletindo a eficiência do organismo em utilizar as proteínas ingeridas, estando relacionado com o elevado fornecimento de AAE. Esta eficiência é determinada pela sua qualidade (disponibilidade de AA) e digestibilidade (utilização da proteína). A proteína da soja, ao contrário das restantes proteínas vegetais, apresenta um VB equivalente à proteína animal. É uma proteína completa com uma elevada concentração de aminoácidos de cadeia ramificada (em inglês BCAA’s), importantes na reparação e construção de tecidos.

As proteínas de alto valor biológico (AVB) evidenciam um alto potencial na estimulação e manutenção da síntese muscular após o treino de força, mas principalmente as proteínas provenientes do leite (proteína whey e caseína) e da soja têm sido as mais utilizadas para promover o ganho de massa muscular. Neste sentido, e com a noção de que atletas sujeitos a treinos intensos requerem uma maior ingestão de proteínas comparativamente à população geral, para uma recuperação muscular eficaz, muitos estudos na àrea da nutrição desportiva tentam esclarecer a eficiência destas proteínas na síntese muscular. Da mesma forma, este artigo também se debruçará sobre essa questão.

Uma vez que a síntese muscular é estimulada pela alimentação, e ainda potenciada pelo treino de força, muitos estudos comprovam a existência de um aumento de massa e força muscular quando estes são adequados. A síntese muscular é altamente influenciada pelo balanço nitrogenado, (diferença entre a quantidade de proteínas ingeridas e perdidas) nomeadamente disponibilidade de AAE (particularmente leucina), mas também pela disponibilidade de hidratos de carbono (HC). É também a primeira variável a ser afetada pelo treino de força, podendo variar entre 40 a 100% acima e abaixo dos níveis normais em repouso, pelo menos 48 horas após terminar o treino.

De forma a manter um balanço nitrogenado positivo, vários estudos sugerem a ingestão de 1,4 a 1,8g/kg/dia para atletas de força, e de 1,2 a 1,4g/kg/dia para os atletas de resistência (dado que maximizar o tamanho e força muscular não é necessariamente o seu objetivo). O treino de força em condições de jejum promove o catabolismo proteico (depleção muscular) em 10 a 25%, comprometendo assim a síntese muscular. No entanto, aquando da presença de AA ou HC na circulação sanguínea, este catabolismo proteico é suprimido e, adicionalmente, a síntese muscular é estimulada.

Vários estudos sobre este tema têm considerado variáveis como o nível de treino do atleta, o teor de AA, composição de AA, teor de HC, timing de ingestão relativamente ao treino, e mais recentemente, o tipo de proteína ingerida. A proteína whey, caseína e proteína de soja, embora todas elas de AVB, apresentam diferenças, principalmente na taxa de absorção, que influenciam a sua eficácia na síntese muscular. Se a taxa de absorção de uma proteína for elevada (ou seja, rápida), resulta numa maior concentração de AA na circulação sanguínea (hiperaminoacidémia) com consequentemente aumento da síntese muscular. O mesmo sucede no inverso. A proteína whey e de soja são ambas proteínas de rápida absorção, enquanto que a caseína é uma proteína de lenta absorção. A caseína provoca uma síntese muscular mais lenta, mas por outro lado inibe o catabolismo proteico.

Além da taxa de absorção, a concentração em AAE, BCAA’s e leucina também influencia a síntese muscular. A proteína whey contém os valores mais altos de BCAA´s, em particular a leucina. A leucina é capaz de estimular a ativação de proteínas reguladoras da síntese proteica. Estes resultados parecem explicar a existência de  diferenças mesmo entre proteínas de rápida absorção.
Muitos estudos comprovam que proteína whey é mais efetiva na síntese muscular que a proteína de soja e que a caseína, tanto em repouso como após o treino de força. Um estudo recente verificou que em repouso, a síntese muscular após a ingestão de proteína whey é ~93% superior à caseína, e apenas ~18% superior à proteína de soja. Após o treino de resistência as diferenças aumentam para ~122% e ~31%, respetivamente. Assim, verifica-se uma crescente síntese muscular acordo com a ordem caseína < proteína de soja < proteína whey.

Além de proteínas, antes e/ou após o treino de força, é importante também a disponibilidade de HC. Considera-se que o melhor timing para a sua ingestão é durante os 30-45 minutos antes do treino e/ou durante as 2 primeiras horas após o treino.

Conclui-se que a dose mínima de AAE necessária para obter benefícios na síntese muscular é de 3-5g (equivalente a 8-10g de proteína whey ou caseína e a 10-12g de proteína de soja). Recomenda-se que a ingestão de AAE não ultrapasse os 10g de AAE (equivalente a ~25g de proteína whey ou caseína e a ~30g de proteína de soja), dado que quantidades superiores não mostram benefícios. Tendo em conta que 20% da proteína do leite é proteína whey e 80% é caseína, muitos atletas optam pela toma de proteína whey sob a forma de suplemento, dado que para obter 25g de proteína whey seria necessário ingerir ~4,2L de leite.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Modelação do overtraining através da nutrição

O objectivo do treino de atletas é fornecer cargas que serão eficazes na melhoria do seu desempenho desportivo. Durante este processo, os atletas passam por várias etapas ao longo da época desportiva.
Treinar com sucesso envolve sobrecarga, mas também, deve evitar-se combinação de sobrecargas excessiva com recuperações inadequadas. O processo de cargas de treino elevadas é muitas vezes utilizado pelos atletas, numa tentativa para melhorar o desempenho físico. Como consequência, o atleta pode sentir fadiga e diminuição do desempenho, como resultado de um período de treino ou sessão intensa. 

A fadiga aguda resultante do treino, pode ser seguida por uma adaptação positiva ou melhoria no desempenho, após um período de descanso adequado sendo esta a base de periodização eficaz. No entanto, se o equilíbrio entre a intensidade de treino e a recuperação adequada é interrompido, pode ocorrer uma resposta anormal ao treino, o que poderá levar ao desenvolvimento do estado de overreaching e consequente overtraining. Esta situação poderá comprometer o princípio da sobrecarga.

Overreaching
Acumulação de treino e/ou stress, resultando numa diminuição a curto prazo na capacidade de treinar com ou sem sinais e sintomas de má adaptação fisiológica/psicológica, em que a recuperação da performance pode levar alguns dias a várias semanas.
Overtraining
Acumulação de treino e/ou stress, resultando em diminuição a longo prazo da capacidade de performance com ou sem sinais e sintomas de má adaptação fisiológica/psicológica em que a recuperação da capacidade de treino pode levar várias semanas ou meses.

Estas definições sugerem que a diferença entre overtraining e overreaching é a quantidade de tempo necessário para recuperação da performance. Todavia, esta definição implica haver uma ausência completa de sinais psicológicos associados ás condições de overreaching e overtrainig. Como é possível recuperar de um estado  em 2 semanas, pode-se argumentar que essa condição é uma fase relativa normal e inofensiva do processo de treino. No entanto, os atletas que estão em “overtraining” podem levar meses ou até anos para se recuperar completamente. A dificuldade reside na subtil diferença que possa existir entre carga de treino excessiva (overreaching) e treino excessivo Overtrainig.
Como o overtraining é causado por uma acumulação de cargas de treino elevadas associado a recuperações limitadas, pensa-se que a fadiga e diminuição da performance poderá estar associado a uma diminuição das reservas de glicogénio muscular, com consequentes perturbações do sistema endócrino (sistema hormonal). Em resultado da diminuição das reservas de glicogénio ocorre uma elevação de hormonas catabólicas (catecolaminas, cortisol, glucagon), e diminuição dos níveis de insulina. Estas alterações hormonais irão resultar numa mudança de substrato energético. O metabolismo energético começa a depender mais dos ácidos gordos, por diminuição da insulina e aumento das hormonas catabólicas.

Cargas de treino intensas e a depleção das reservas de glicogénio parecem estar relacionados ao desenvolvimento de overtraining. Num grupo de atletas com cargas de treino entre os 16-21Km/dia durante 7 dias e em que todos os treinos foram encarados como competições, manteve-se a ingestão de hidratos de carbono constante (5,5g/kg/dia). Ocorreu uma diminuição da performance desportiva ao longo da semana. Quando foi aumentada a ingestão de hidratos de carbono para 8,5g/kg/dia as quebras no rendimento desportivo foram muito menores e os sintomas de overreaching diminuíram. A recuperação deste ciclo de treino foi também mais completa quando ocorreu um aumento na ingestão de hidratos de carbono. Outro estudo incluiu um grupo de ciclistas em dois períodos distintos, separados entre 2 semanas regenerativas. No 1º período ingeriram cerca de 6,4g/kg/dia de hidratos de carbono e no 2º período 9,4g/kg/dia, distribuídos entre refeições e nos diferentes períodos de treino (pré, durante e pós). Na primeira ocasião os atletas consumiram uma bebida com hidratos diluídos a 2% antes, durante e pós treino. No segundo período de treino, 6,4% de hidratos foram diluídos antes e durante e no pós-treino 20%. Observou-se uma menor diminuição da performance, diminuição da alteração do estado de humor e diminuição distúrbios hormonais nos indivíduos que fizeram uma maior ingestão de hidratos de carbono. O que sugere, que o timing e concentração dos hidratos podem beneficiar o processo de treino e diminuir o risco de overreaching. Quando a carga de treino é elevada os atletas tendem a diminuir a ingestão de hidratos carbono, o que resulta numa diminuição do balanço energético durante estas periodizações.
Recomendações de Hidratos de carbono de acordo com intensidade e duração do exercício
Intensidade
Horas de treino
Hidratos de carbono
Baixa

3-5g/kg/dia
Moderada
1h/dia
5-7g/kg/dia
Baixa a moderada/Endurance
1-3h/dia
6-10g/kg/dia
Moderada a elevada
>4-5h/dia
8-12g/kg/dia

Além do balanço energético negativo, também a desidratação crónica pode alterar o perfil endócrino dos atletas, o aumentando o risco de overreaching e overtraining. Assim, para reduzir os sintomas de overreaching e o desenvolvimento de overtraining durante os períodos de carga de treino elevada, os atletas devem de ser encorajados a aumentar a ingestão de líquidos, hidratos de carbono e proteínas.
Recomendações de Ingestão proteica de acordo com intensidade
Intensidade
Proteínas
Fraca
0,8-1 g/Kg/dia
Moderada/Elevada
1 -1,5 g/Kg/dia
Elevada
1,5 -2 g/Kg/dia


Um balanço energético equilibrado deve ser constituído pelo aumento dos hidratos de carbono, no entanto, a ingestão de proteínas (ver: revista de agosto de 2014) deve também de ser adequada à carga de treino. O consumo insuficiente de proteína também poderá resultar num risco de overtraining.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Papel da nutrição na inibição da fadiga muscular

A fadiga muscular é considerada como o declínio da actividade motora associada a uma  hiperactividade muscular prévia. Tem origem nos tecidos musculares e é independente do sistema nervoso central e periférico.
Vários sistemas reguladores (endócrino, reprodutivo, muscular) e de suporte (cardiovascular, digestivo, respiratório, renal e muscular), permitem e limitam as actividades metabólicas durante o exercício físico. O funcionamento destes sistemas permite fornecer ao músculo os nutrientes responsáveis pela manutenção das funções, remoção e eliminação dos resíduos metabólicos das células musculares.

O sistema músculo-esquelético tem a função de produzir movimento enquanto os sistemas reguladores e de suporte regulam e apoiam, fornecendo as necessidades bioenergéticas (ATP e O2), necessárias ao ambiente interno para suportar o exercício físico durante uma determinada duração e intensidade.
A fadiga muscular acontece quando a função de qualquer sistema regulador torna-se insuficiente para permitir a contracção muscular ou a remoção de resíduos resultantes da actividade física.
A contracção muscular resulta da interacção de duas proteínas contracteis: a actina e a miosina. Para que ocorra uma nova contracção é necessário hidrolisar ATP, reacção esta que resulta num aumento de resíduos metabólicos (ADP, Pi e H+):
ATP + H2O ↔ ADP + Pi + H+

Velocidade Máxima de Produção
Total Disponível
Duração
ATP Disponível
ATP muscular
-
223 mmol
6seg
0,4 mol ATP
Creatina Fosfato
73,3 mmol/s
446 mmol
Conversão de glicogénio muscular a lactato
39,1 mmol/s
6700 mmol
3min
6,7 mol ATP
Conversão de glicogénio muscular a CO2
16,7 mmol/s
84000 mmol
1h23min
84 mol ATP
Conversão de glicogénio hepático a CO2
6,2 mmol/s
19000 mmol
51min
19 mol ATP
Conversão de ácidos gordos a CO2
6,7 mmol/s
4000000 mmol
165h
4000 mol ATP
Tabela 2- Compostos energéticos estimados para um individuo de 70kg.
O corpo humano utiliza a energia sob a forma de ATP; as suas reservas são muito limitadas (223 mmol), necessitando de uma constante produção através das diferentes vias metabólicas: glicólise, beta oxidação e fosforalização oxidativa. O nosso organismo consegue produzir ATP a partir de substractos moleculares, nomeadamente, creatina fosfato, glicogénio muscular, glicogénio hepático, ácidos gordos e proteínas.

Ao analisarmos a tabela anterior verificamos que o corpo humano tem as reservas suficientes para actividades com duração inferior a 1h23min.  A fadiga muscular é consequência do aumento dos resíduos metabólicos resultantes da hidrólise de ATP e da produção de lactato.
A diminuição da concentração de ATP e o aumento dos produtos finais (ADP, H+ e Pi), inibem a ligação entre a actina e miosina. O aumento destas concentrações está relacionado com a intensidade do exercício.
Atleta
Disciplina
Veloc. Média
Usain Bolt
100 m
11,1 m/s
Kirani James
400 m
9,1 m/s
David Rudisha
800 m
7,9 m/s
Taoufick Makloufi
1500 m
7,0 m/s
Mo Farah
10000 m
6,1 m/s
Stephen Kiprotich
42195 m
5,5 m/s
Tabela 1- Pódios Jogos Olímpicos de Londres-masculinos

O aumento intramuscular de H+, resultante da hidrólise de ATP e produção de ácido láctico, provocam uma diminuição do pH do organismo. Estas alterações metabólicas inibem o processo da contracção muscular diminuindo a afinidade entre a actina e miosina.
Outro processo inerente à fadiga muscular é a diminuição da libertação de cálcio, que é responsável pela activação da contracção muscular. A diminuição do pH diminui a sua libertação, assim como a sua associação com o Pi (molécula resultante da hidrolise de ATP), formando uma molécula PiCa2+
Assim, as estratégias nutricionais que podem modelar a fadiga muscular passam por aumentar a energia disponível, e promover a remoção e inibição dos catabólicos resultantes da hidrólise de ATP:

Aumento da energia disponível:
Ö        Creatina=>  a evidência sugere que a sobrecarga de creatina (5g 4x/ dia durante 4-5 dias ou 3g/dia durante 30 dias), aumentará a taxa de produção de energia através desta via.

Remoção dos catabólicos:
Ö        Nitrato => A suplementação com NO3- aumenta a tolerância ao esforço por induzir uma vasodilatação sanguínea, resultando num aumento de aporte de energia e O2, assim como a eliminação dos catabólicos consequentes da hidrólise de ATP.
A dose da suplementação deve ser de 0,1-0,2mmol/kg (6,2-12,4mg/kg), 2 a 3 horas antes do exercício.

Inibição dos efeitos dos catabolismos:
Ö        Bicarbonato de Sódio =>  O bicarbonato de sódio tem a função de controlar o ph do exterior da célula . O protocolo tem início entre os 120-150 min prévios ao evento, a sua toma deve realizar-se num período de 30 minutos, a quantidade de NaHCO3 deve ser de 0,3g/kg de peso corporal sob a forma de capsula, co ingerida com 7ml de agua /kg de peso corporal e com 1,5g de glícidos/Kg de peso corporal.
Ö        β-Alanina => A A β-Alanina é um aminoácido precursor da síntese de carnosina, a principal função fisiológica da β-Alanina é diminuir o pH no interior das células.
Protocolos 4-6g/dia com a duração de 4 a 10.

A fadiga muscular é mediada pelo aumento das concentração de ADP, PI e H+, estando relacionada com as intensidades do exercício. Todavia, outros factores poderão causar fadiga: aptidão física, factores genéticos, tipo de fibras musculares, motivação, etc..


É mediada por processo bioquímicos que ocorrem na célula como resultado de uma hiperactividade muscular, no entanto os mecanismos pelos quais ela é activada são complexos e multifactoriais. Todavia, parece que as estratégias nutricionais retardam o aparecimento da fadiga o que resulta num aumento da performance desportiva.