INTRODUÇÃO
Durante as minhas consultas de nutrição há uma interrogação que é recorrente:
‘’Posso beber Leite? O leite não é Inflamatório? O leite causa cancro? Nós somos os únicos mamíferos que bebem leite! Devia de ser proibido’’.
Por favor já chega!!! Este fim-de-semana, resolvi escrever sobre: ‘’Leite culpado ou inocente’’. Depois desta exaustiva revisão, espero que tenha contribuído para desmistificar os mitos associados ao consumo de leite.
‘’LEITE dá SAÚDE’’
LEITE ‘‘ O CULPADO’’
Várias doenças crónicas são comuns nos países ocidentais, tais como a diabetes, doenças cardiovasculares, cancro, hipertensão, obesidade, e doenças alérgicas, que são influenciadas pelos hábitos alimentares [1]. O consumo de leite de vaca e seus derivados, normalmente são recomendados devido aos seus efeitos benéficos do cálcio, densidade óssea e fonte de proteínas. Tornando-se num dos pilares das dietas ocidentais [2]. Todavia existem defensores da hipótese que o consumo leite de vaca, está correlaciona-se com o aumento da prevalência das doenças crónica nestes países.[1,2].
Esta causa poderá estar relacionada com a desregulação da homeostase entre a Insulin-Like Grow Factor (IGF), e a hormona de crescimento (GH). A hormona GH é segregada pela glândula pituitária anterior, actua em diversos tecidos e principalmente no fígado. Induzindo a síntese e segregação da hormona IGF-1 (Insulin-Like Grow Factor-1), que controla a actividade da própria GH. Mais de 90% das hormona IGF, estão ligadas a proteínas sobre a forma IGF-biding protein-3 (IGFBP-3), 9% sobre a forma IGFB-1,2,4,5,6 e apenas 1% do total de IGF circula de uma forma livre no plasma [2].
O leite de vaca contém grandes concentrações de IGF-1 (4-50ng/ml) e IGF-2 (ng/ml), Hoje em dia as explorações pecuárias utilizam a hormona GH para melhorar a produção de leite, provocando o aumento das concentrações de IGF-1 [3]. O elevado consumo de leite nos humanos está associado ao aumento de IGF-1, de 10-20% nos adultos e 20-30% nas crianças [2].
Os produtos lácteos dão origem a resposta insulinémicas, muito superior ao esperado. Com excepção do queijo que tem uma baixa resposta insulinémica (IG=45), o leite e seus derivados (iogurtes, gelados, queijo cottage, etc), têm uma resposta elevada da insulina [4]. Num estudo em que submeteram 24 adolescentes a um regime alimentar de 53g/dia de carne magra e posteriormente a um regime de 1500 ml de leite magro, obtiveram os seguintes resultados: aumento das concentrações de IGF-1 durante regime com lacticínios e uma diminuição no regime de carne [5]. Este estudo demonstrou a associação entre a hiperinsulinémia e o aumento do IGF-1.
O leite é constituído por dois tipos de proteínas: a caseína (80%) e a proteína do soro de leite (20%). A caseína aumenta os níveis de IGF-1, sem alterar os níveis da insulina, já o soro de leite aumenta os níveis de insulina e mantém os de IGF-1. Esta afirmação sugere que dentro das proteínas solúveis do leite, é o soro de leite que provoca o aumento da Insulina. [6].
O IGF-1 é responsável pela diferenciação dos pré-adipócitos em adipócitos. O aumento do consumo de leite durante a infância, 1ª infância e adolescência, correlaciona-se com o aumento do tecido adiposo e IGF-1 [7]. O IGF-1 também é conhecido por estimular o crescimento de vários tipos de células. Participa na regulação do ciclo celular, inibe o processo de apoptose e estimula a proliferação de células, é também considerado um potenciador de crescimento de células cancerígenas, estando associado ao cancro da mama, próstata, cólon e do pulmão [8].
Foi demonstrada também uma correlação linear entre o consumo de leite e a mortalidade por enfarte agudo do miocárdio [9]. Em modelos animais mostraram que o IGF-1 está envolvido no desenvolvimento de aterosclerose [10].
LEITE ‘’O INOCENTE’’
O leite é um alimento completo, que contém uma enorme quantidade de nutrientes essenciais, contribuindo para uma dieta equilibrada. Vários estudos epidemiológicos demonstraram o efeito benéfico do consumo de leite. Tendo evidenciado um efeito protector contra varias doenças: enfarte agudo do miocárdio, AVC, diabetes, vários cancros, demência [11].
Um estudo prospectivo, envolvendo 33636 mulheres, procurou demonstrar a relação entre ingestão de leite e derivados com o enfarte agudo do miocárdio (EAM). O follow-up durou 11,6 anos, e da amostra inicial cerca de 1392 indivíduos tiveram EAM. O estudo concluiu que não existia qualquer associação entre o consumo de leite e derivados e o enfarte agudo do miocárdio [12].
Uma meta análise constituída por 324 241 indivíduos, procurou demonstrar a relação entre o consumo de leite e derivados com o cancro da mama. Foi diagnosticado cerca de 7966 casos de cancro da mama na população estudada, não tendo sido encontrada qualquer relação com a ingestão do consumo de leite. A ingestão de derivados de leite parece que também não está associada ao cancro da mama [13].
Mais recentemente uma revisão de literatura, sobre a ingestão de leite e derivados e a sua associação com os diversos tipos de cancro, conclui que a recomendação de 3 porções de leite e derivados por dia é seguro e não aumenta o risco de desenvolvimento de cancro [14].
Leite e os Maasai
Os Massai são uma tribo que habita no norte da Tanzânia e Sul do Quénia, que vivem da pastorícia e agricultura num regime de auto-suficiência. Vários estudos relacionados com os hábitos alimentares foram realizados durante os anos 60 e 70. A sua dieta consistia em elevadas quantidades de leite e carne de vaca, caracterizada por uma grande ingestão de gordura e colesterol [15,16].
Tradicionalmente os Massai dependem do leite, sangue e carne de vaca e ovelha para colmatar as suas necessidades energéticas e proteicas. A carne apenas é ingerida em dias de festa, tais como a circuncisão ou casamento. As sopas são utilizadas sempre que não existe carne. A carne é consumida cozida em conjunto com os ossos e ervas. O sangue é consumido apenas quando o animal é abatido ou quando algum elemento necessita em caso de perda de sangue (parto ou circuncisão), é misturado com leite fornecendo uma fonte rica em proteína, cálcio e ferro.
O leite é o alimento mais importante para a sociedade Massai. De acordo com os anciões tribais, os padrões de consumo pouco se alteraram ao longo dos anos[17]. È consumido a qualquer hora do dia por todas as faixas etárias, sendo altamente recomendado nas crianças. Existem quatro categorias de leite e derivados consumidos: leite fresco, soro de leite (obtido por fermentação do leite fresco durante a noite), iogurte (leite fermentado durante 4 dias), Colostro (quando ainda se encontra amarelo e espesso, fornecida ás crianças e jovens, em adultos é pouco frequente mas por vezes misturam com ervas). Consideradas importantes fontes de cálcio, proteínas, próbioticos, e vitamina A.[17].
O mínimo de energia ingerida é de 2500 kcal para adultos e 1500 kcal nas crianças respectivamente, o leite e derivados fornecem cerca de 6,2 %, e em situações de seca extrema podem alcançar 93,8% do total de energia ingerida [17]. Cerca de 66% da energia é derivada da gordura saturada, o total de colesterol ingerido varia entre 600-2000mg no entanto os seus níveis séricos, são de 135mg/100ml [18]. Todavia a incidência e prevalência da doença cardiovascular é menor comparativamente aos países ocidentais. Supõem-se que esta tribo poderá ter um regulador intrínseco do colesterol e da doença aterosclerótica [19]. Outro factor importante, são os elevados níveis de actividade física detectados. Em média cada Maasai desloca-se 20km/dia [17], a sua capacidade física varia entre os 38-43 ml/min/kg. [20].
CONCLUSÃO
Após esta pequena revisão de literatura posso afirmar com alguma evidência que o leite não é causador das doenças crónicas. Os estudos apresentados pela hipótese do leite ‘’ causador de doenças’’, são estudos com grandes limitações na sua construção, conclusões tendenciosas, e que não foram replicados. A teoria fundamenta-se na associação entre a concentração de IGF-1, e consumo de leite. No entanto é de consenso científico que os níveis de IGF-1 podem estar aumentado devido a outros factores. Por exemplo, em indivíduos obesos os níveis de IGF-1 estão elevados, devido à segregação pelo adipócitos [21]. Portanto é inconclusivo que o IGF-1 está aumentado devido ao consumo de leite e derivados.
As várias meta-analises e reviews que defenderam o consumo de leite, apresentaram resultados mais consistentes, maiores amostras e conclusões obtidas em diferentes pesquisas.
Os Maasai, uma tribo com padrões alimentares inalterados desde o neolítico (9000 AC), em que a base de alimentação é o leite e derivados, apresenta uma baixa prevalência de doenças crónicas, associada a um elevado nível de actividade física.
O principal factor para o aumento das doenças crónicas, é a esperança de vida. Em Portugal por exemplo na década de 20, a esperança de vida era de aproximadamente 40 anos, as pessoas morriam de causas microbiológicas. Contudo hoje em dia a média de vida é superior a 70 anos, logo o tempo de exposição aos vários factores de risco é maior [22], logo o leite não pode ser considerado causador isolado das doenças crónicas.
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