quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Suplementação com Bicarbonato de Sódio

A suplementação com bicarbonato de sódio é usada em actividades que estão dependentes da via glicolítica anaeróbia, ou seja, a energia produzida efectua-se em ausência de oxigénio. Esta via tem uma taxa de produção muito rápida, no entanto ocorre um aumento da concentração de lactato e hidrogeniões (H+), causando uma acidose metabólica e consequentemente uma diminuição da performance desportiva.

O bicarbonato de sódio tem a função de controlar o ph do organismo (sistema tampão). Em condições basais o pH arterial é de 7,4, valores superiores designam-se por alcalose e inferiores em acidose.
A suplementação com o bicarbonato de sódio resulta num aumento do pH (alcalose), retardando assim a fadiga muscular causada pela acidose metabólica (diminuição do pH) e aumentando o rendimento desportivo. Após a sua absorção do bicarbonato de sódio (NaHCO3), ocorre o aumento das concentrações plasmáticas de bicarbonato (HCO3-).

NaHCO3↔Na + HCO3-

Durante a realização do exercício anaeróbio o piruvato é transformado em lactato através da enzima lactato desidrogenase com libertação de hidrogeniões (H+). A acidose metabólica não é causada pelo lactato mas sim pelo aumento da produção de H+.
Os H+ produzidos reagem com o bicarbonato formando ácido carbónico (H2CO3), este dissocia-se em dióxido de carbono (CO2) e agua (H2O) que posteriormente são eliminados pelo sistema respiratório.
HCO3+ H+↔H2CO3   /   H2CO3 ↔ CO2 + H2O

A desvantagem da sua suplementação está relacionada com a possibilidade de ocorrência de problemas gastro intestinais, nomeadamente,  náuseas, dores de estomago, diarreia, vómitos, entre outros. O protocolo de suplementação deve ter em conta o período de ingestão, o volume de líquido coingerido e a apresentação do suplemento (capsula ou pó), de modo que a disponibilidade do NaHCO3 coincida com o aumento da concentração de HCO3 e pH, e, com concomitante menor incidência de problemas gastro intestinais.

A suplementação protocolada tem início entre os 120-150 min prévios ao evento, a sua toma deve realizar-se num período de 30 minutos, a quantidade de NaHCO3 deve ser de 0,3g/kg de peso corporal sob a forma de capsula, co ingerida com 7ml de agua /kg de peso corporal e com 1,5g de glícidos/Kg de peso corporal. Este de protocolo resulta num aumento do pH (alcalose), incremento da concentração de HCO3- e diminuição da ocorrência de problemas gastro intestinais.
Exemplo de um protocolo para um atleta de 70kg na disciplina dos 800m:

21g de NaHCO3 + 490 ml de agua + 105g de glícidos
0 min => 160ml de agua + 7g de NaHCO3 + barra energética (60g de glícidos)
15 min => 160ml de agua + 7g de NaHCO3 + banana (45g de glícidos)
30 min => 160ml de agua + 7g de NaHCO3
120 ↔ 150min => Prova


Casualmente os atletas têm por hábito utilizar nos treinos os chamados inibidores de lactato com o objectivo de diminuir a fadiga e assim aumentar o rendimento durante o treino. No entanto, o único resultado real é o aumento do pH sanguíneo. Esta prática não é recomendada uma vez que o objectivo do treino é causar uma acidose metabólica para que o atleta se adapte e até melhore a resposta do organismo às elevadas concentrações de H+. A constante utilização destes inibidores poderá comprometer a adaptação ao treino, a sua utilização deve ser exclusiva no período competitivo.

sábado, 1 de novembro de 2014

PROTEÍNA- TIPO/DOSE/QUALIDADE

As proteínas são nutrientes essenciais no processo de adaptação ao treino. Mas será que todas as proteínas são iguais?

As proteínas de alto valor biológico (PAVB), são as que têm apresentado melhores resultados, estão presentes na carne, peixe, ovos, leite e derivados. As unidades funcionais das proteínas são os aminoácidos, estes classificam-se em: essenciais (AAEs), que são obtidos pela alimentação e não essênciais (AANEs), em que o próprio organismo os consegue sintetizar (ver tabela).

Aminoácidos Essenciais
Aminoácidos Não Essenciais
Arginina
Histidina
Isoleucina*
Leucina*
Lisina*
Metionina
Fenilalalina
Treonina
Triptofano
Valina

*BCAA’s
Alanina
Asparagina
Aspartato
Cisteina
Glutamato
Glutamina
Glicina
Hidroxiprolina
Hidroxilisina
Prolina
Serina
Tirosina

As PAVB apresentam grandes concentrações de AAEs, destes destacam-se os aminoácidos de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina), vulgarmente chamados de BCAA’s. Este grupo de aminoácidos está referenciado como sendo o principal promotor do aumento da massa muscular e inibidor do catabolismo proteico. Todavia recentes investigações têm demonstrado que as elevadas concentrações plasmáticas de leucina são o principal activador da síntese proteica no músculo. Contudo a leucina apenas activa o mecanismo, facilitando a acção dos outros aminoácidos essenciais. Em investigações recentes a suplementação isolada de leucina apresentou uma resposta muito inferior comparativamente ao grupo suplementado com aminoácidos essenciais.

Não existe uma dose ideal em resposta á carga de treino e às características individuais do atleta, pensa-se que a dose recomendada estará entre os 6-15g de AEE/dose.
Os alimentos que contem maiores concentrações de AEEs  por dose são: a carne, peixe, ovos, leite e derivados. Nos últimos anos a proteína de soro de leite (whey protein) e a caseína têm sido referenciadas e utilizadas por atletas. Ambas as proteínas são constituintes do leite, 20% de whey e 80% de caseína. São extraídas durante a transformação do leite em queijo, a parte solida é constituída essencialmente por caseína e a liquida (soro) por proteína soro de leite. Apresentam diferentes cinéticas relativamente ao processo de digestão e absorção. 

A whey é uma proteína de fácil digestão e absorção, resultando numa maior concentração plasmática de leucina e AEEs, promovendo assim uma maior síntese proteica no músculo, comparativamente á caseína. A dose recomendada é de 20-25 g de proteína soro de leite, correspondendo a aproximadamente 10g de AAEs e 2150 mg de leucina.

Concentração de Leucina por porção
Proteína
Leucina
BCCA's
Ovo (50g)
6,3 g
543 mg
1308 mg
Leite (200g)
6,7 g
638 mg
1426 mg
Queijo Flamengo (15g)
3,8 g
386 mg
854 mg
Requeijão (100g)
11,3 g
1221 mg
2502 mg
Queijo Fresco (80g)
10 g
1019 mg
2215 mg
Suplemento - Whey Protein
20 g
2149 mg
4383 mg
Suplemento – Caseína
20 g
1643 mg
4016 mg



Investigações recentes demonstraram resultados idênticos entre a ingestão de 20g de Proteina Whey e 600 ml de leite magro. Todavia, ainda são necessários mais estudos para esclarecer quanto o beneficio dos suplementos de Proteina whey comparativamente à ingestão de leite.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Importância da creatina nos desportos de alta intensidade.

A creatina (Cr) está presente nos alimentos ricos em proteinas de alto valor biologico (carne, peixe e leite), mas também é sintetizada endogenamente pelo fígado e rins, tendo como percursores os aminoácidos arginina e glicina. É transportada plasmáticamente por uma proteína  específica (X-Linked Creatine), mais de 90% da creatina sérica destina-se ao músculo-esquelético. As sua concentrações no musculo são de 130mmol/kg, cerca de 65% intracelular,  sob a forma fosforilada (fosfocreatina (PCr)) e os restantes 35% como creatina livre. Em situação de suplementação os valores da concentração de creatina podem chegar aos 160 mmol/kg.

Na fase de transição de repouso para exercício a fosfocreatina proporciona um fonte rápida de energia para o músculo durante os primeiros segundos (6-8seg.).

O interesse na suplementação com creatina no desporto surgiu em 1992 através investigador Roger Harris, que demonstrou que a suplementação de 20g/dia de creatina monohidratada resultou no aumento das concentrações de fosfocreatina entre 15-20% no músculo-esquelético. Pesquisas posteriores demonstraram resultados semelhantes após uma sobrecarga de 20g/dia durante 6 dias seguidos de uma baixa dosagem (3g/dia ou 2g/dia) durante 30 dias

Após a suspensão da suplementação os valores baixam lentamente até aos niveis basais (5-8 semanas). A quantidade intracelular varia de acordo com as características dos indivíduos e os seus hábitos alimentares, por exemplo, regimes vegetarianos têm níveis inferiores aos regimes omnívoros.
O desempenho de actividades de alta intensidade e de curta duração estão dependentes desta via metabólica. Com base nesta premissa, seria lógico que o aumento das concentrações de fosfocreatina fosse proporcional ao aumento do rendimento desportivo pelo prolongamento do aporte de energia anaeróbia aláctica. A vantagem deste sistema é apresentar uma elevada taxa de produção de ATP em completa ausência de oxigénio sem a produção de lactato, favorcendo também a diminuição do pH, através da diminuição das concentrações de protões (H+), (ADP+PCr+H+ = ATP + Cr).

Estudos iniciais demonstraram um aumento de 1 a 2 % na produção de energia em atletas suplementados com creatina e sujeitos a esforços realizados durante 20-30seg. Outros estudos também reportaram um aumento significativo 1,5kg da massa isenta de gordura após a suplementação com creatina monohidratada durante 5-7 dias. Verificou-se que esse efeito é maior no género masculino do que feminino e no compartimento da água intracelular. Todavia, a suplementação associada ao treino de força está relacionado com o aumento da massa muscular.

A creatina e a fosfocreatina são convertidas em creatinina dentro das células, sendo posteriormente excretada pela urina. Existe uma relação entre a creatinina excretada (24h) e a massa muscular, por cada grama de creatinina excretada é equivalente a 20 kg de massa muscular. No caso de suplementação, estes valores poderão estar alterados. Estudos prospectivos demonstraram que a suplementação com creatina não apresenta efeitos adversos sobre a função renal em indivíduos saudáveis com regimes de suplementação protocolados.


Para um atleta que deseje tomar creatina ou outro suplemento é importante considerar 3 factores:
1.    A suplementação utilizada na competição deve ser experimentada durante os treinos para saber como o organismo reage.
2.    Informar-se junto da Autoridade Antidopagem de Portugal se alguns dos constituintes do produto estão na lista de substâncias proibidas.
3.    A toma pode não resultar no efeito pretendido.


Resumindo, a suplementação de creatina em actividades de  alta intensidade e de curta duração poderá ser benéfica, a evidência sugere que a sobrecarga de creatina (5g 4x/ dia durante 4-5 dias ou 3g/dia durante 30 dias), aumentará a taxa de produção de energia através desta via.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Nutrição no treino em altitude

O treino em altitude é utilizado como forma de aumentar e potenciar o rendimento desportivo em atividades que utilizem as capacidades anaeróbias e aeróbias.

Estas adaptações resultam da exposição prolongada em ambiente de baixa concentração de oxigénio. À medida que subimos ocorre um declínio progressivo de oxigénio, a partir dos 3000m a saturação de oxigénio (SaO2), diminui de 95% para 92% e a pressão do oxigénio (PIO2), diminui de 159mmHg para 110mmHg. Em altitudes superiores a 5000 metros a curva de saturação é inferior a 80% e a PIO2 de 85mmHg.
Estas modificações resultam numa perturbação da homeostase de repouso, causando ajuste fisiológicos e metabólicos essenciais para assegurar a oxigenação adequada dos tecidos em resposta ao stress imposto pela hipoxia.

Durante o exercício em altitude as intensidades de treino são maiores comparativamente às realizadas a altitudes ao nível do mar. Por exemplo, um treino a uma intensidade de 50% VO2max (nível do mar), é totalmente diferente a 2400m. O VO2 máx diminui progressivamente com a altitude, a cada 300m após os 1500m de altitude a capacidade funcional (VO2máx), diminui 3%. Como resultado uma carga de treino semelhante ao nível do mar vai representar uma maior intensidade do exercício comparativamente á realizada em altitude. Todavia, esta alteração das intensidades vai refletir-se no tipo de substrato utilizado durante as sessões. A dependência do glicogénio muscular é muito maior do que as gorduras e proteínas, logo, as necessidades de glícidos durante os estágios em altitude são muito maiores, mesmo após a aclimatização (21 dias).

Outra alteração que coincide com a exposição à altitude é a diminuição do peso corporal, este facto deve-se ao aumento do metabolismo basal, perda de fluidos e à diminuição do apetite. Esta triada resulta num défice calórico com perdas significativas no compartimento da massa isenta de gordura (MIG), ou seja, tecido muscular, total de agua corporal e tecido ósseo. Existe também perdas de massa gorda, no entanto, a MIG explica cerca de 60-70% da diminuição do peso corporal, comprometendo a capacidade física, força muscular, performance desportiva, sistema imunitário e aumenta o risco da doença da altitude.
Os principais objetivos da intervenção nutricional são: fornecer a energia igual ao gasto calórico e suprir as necessidades hídricas. Os atletas devem consumir mais de 60% da sua ingestão em alimentos ricos em glícidos. Devido á falta de apetite podemos aumentar o consumo de glícidos através de bebidas, barras e sumos naturais. Se ainda assim, não forem supridas as necessidades nutricionais, poderá ser necessário recorrer à suplementação. Em altitude os atletas devem ingerir entre 3 a 5 litros de água por dia; estes valores resultam do somatório da água ingerida e da contida nos alimentos. A norma proteica para a exposição á altitude é de 1,7-2 g/Kg/ dia, privilegiando as proteínas de alto valor biológico, sendo também, recomendado a utilização de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs). As recomendações para os lípidos são de 1-1,2g/kg/dia, sendo uma maneira fácil de alcançar as necessidades energéticas diárias, isto porque, apresentam uma grande densidade calórica em pequenos volumes. Deve-se privilegiar o consumo de produtos hortofrutícolas de forma a aumentar a ingestão de minerais e vitaminas.


A permanência cronica em altitudes elevadas resulta num conjunto de múltiplas adaptações que poderão resultar numa diminuição da performance desportiva. O objectivo da intervenção nutricional é diminuir os efeitos negativos subjacentes a este fenómeno (diminuição do apetite, perda massa muscular e perdas hídricas), de modo a potenciar a optimização com o treino em altitude.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

ARGININA

A utilização de arginina é extremamente popular entre os atletas. Os produtos que contêm arginina são geralmente comercializados como “estimuladores de óxido nítrico” e, apresentam como objetivo, o incremento da força muscular e da resistência. A premissa desta reivindicação é que o aumento da disponibilidade de arginina no organismo resulta no aumento da produção de óxido nítrico (por meio da enzima oxido nítrico sintetase). 

Acredita-se que este aumento da produção de óxido nítrico durante o exercício, irá permitir um melhor fluxo de sangue, com resultados no aporte de nutrientes e oxigénio no tecido muscular, bem como na remoção dos metabolitos gerados no musculo esquelético.
Todavia, não existem evidências claras sobre o papel da argina como estimulador da produção de óxido nítrico, nem do seu efeito no desempenho dos atletas.

Recentemente, os suplementos de arginina foram combinados com outro componente, o alfa cetoglutarato, de modo a produzir o argina alfa cetoglutarato (AAKG); a maior disponibilidade do AAKG permite aumentar a produção de adenosina trifosfato (ATP), através da cadeia transportadora de electrões. Especificamente, o alfa cetoglutarado é um metabolito do ciclo de Krebs que resulta da descarboxilização do isocitrato. 

Assim, um aumento de alfacetoglutarato através da AAKG, irá resultar num aumento de produção de eletrões e, consequentemente, num aumento de ATP durante as actividades predominantemente aeróbicas.
A suplementação com Arginina produziu resultados mistos na literatura; em alguns estudos, foram relatados benefícios ergogénicos em potência anaeróbia, assim como, incremento da força e resistência muscular. Noutros estudos, não se verificou nenhum efeito sobre essas variáveis de desempenho. Existem também algumas investigações que demonstraram que a suplementação oral de arginina (5-10g/dia) aumentou a concentração sistémica da hormona de crescimento; no entanto, dosagens superiores a 13g/dia resultaram em problemas gastro intestinais.

São realmente necessários mais estudos para fundamentar qual ou quais os beneficios, riscos e doses recomendadas para a suplementação com arginina.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Suplementos: uma verdade (In)conveniente

Por:  Marco Pereira e Catarina Elias
A utilização de suplementos alimentares é uma questão que divide opiniões.
O recurso a suplementos alimentares para tentar melhorar a performance é uma realidade no mundo desportivo. No entanto, antes desta opção ser equacionada, os atletas, e treinadores, devem ter em consideração que a segurança, legalidade e eficácia podem não estar asseguradas, o que pode comprometer a elegibilidade e reputação do atleta. O controlo dos suplementos dietéticos poderá não ocorrer com a exigência pretendida e idealizada pelos consumidores.
 

Os suplementos alimentares estão regulamentados pela directiva comunitária 2002/46/CE, com alterações pela Directiva 2006/37/CE da Comissão de 30 de Março estipulada pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA), e transposta para direito nacional pelo decreto de lei nº136/2003, de 28 de junho e pelo decreto-lei nº296/2007 de 22 de agosto. Em Portugal o Gabinete de Planeamento e Politicas (GPP) pertencente ao ministério da Agricultura é a entidade responsável pelas medidas políticas relativas à qualidade e segurança alimentar, nomeadamente regulamentação e controlo dos suplementos alimentares. Todos os fabricantes ou comerciantes responsáveis pela introdução no mercado dos suplementos devem contactar o GPP antes de iniciar a sua comercialização.
 
A veracidade da rotulagem dos suplementos dietéticos é outra questão a considerar. Se esta não for investigada por terceiros, poderá existir uma discrepância entre a quantidade de um ingrediente que o suplemento contém e o que está descrito no rótulo. Esta situação poderá traduzir-se em dois casos: se um ingrediente existir em maior quantidade poderá constituir um perigo para a saúde; em menor quantidade apresentará numa menor eficácia do que o esperado. Para além disso, mesmo não existindo adulteração (propositada ou não), existe ainda a possibilidade de contaminação que só poderá ser descartada se houver investigação.
Em relação à eficácia, o produtor ou distribuidor de suplementos não precisa de comprová-la, ao contrário do que acontece com os medicamentos.
Deste modo, não existindo verificação independente, não há garantia quanto à veracidade da rotulagem e pureza do suplemento. Verifica-se a mesma incerteza quanto à segurança ou eficácia de um suplemento, já que é difícil assegurar que tenham sido efectuados estudos, uma vez que tal é da responsabilidade dos fabricantes. Produtos que foram testados por terceiros costumam anunciá-lo, informando assim o consumidor, sendo também relevante numa perspetiva de marketing.
Os alimentos têm maior valor nutricional comparativamente às suas versões em pó ou cápsula e na maior parte dos casos as vitaminas e minerais em alimentos são melhor absorvidas do que quando ingeridas em suplementos. Através da alimentação é difícil existir um consumo excessivo de nutrientes, o mesmo não acontece quando se fala de suplementação, ou quando existe um grande consumo de alimentos fortificados. É essa a razão pela qual surgiram os limites máximos considerados como seguros para a ingestão de nutrientes. Assim, quando o objetivo é melhorar a performance, a nutrição adequada e a modificação da dieta deverão ser consideradas como a primeira abordagem a implementar.
 
Os produtos que os atletas estão a considerar utilizar, deverão ser avaliados por entidades independentes quanto ao nível de pureza, segurança e eficácia, uma vez que o nível de regulamentação desta indústria não é tão elevado quanto o desejado. Atualmente, existem vários recursos que disponibilizam estas informações.
 
Numa investigação (Geyer H, et Al 2004), que teve como objectivo avaliar o nível de contaminação de esteroides anabolizantes em cerca de 634 suplementos oriundos de diversos países (Estado Unidos, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Itália, França, Suíça, Noruega, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Áustria, Finlândia e Portugal), concluíram que 14,8% dos 634 suplementos estavam contaminados com substâncias proibidas.
 
Apesar de serem vendidos de forma legal, os suplementos poderão conter substâncias proibidas. Assim, tendo em consideração que, segundo o código da WADA (World Anti-Doping Agency), os atletas são considerados responsáveis pela presença de substâncias proibidas no seu sistema, independentemente da forma como tal poderá ter acontecido, estes deverão ponderar se os alegados benefícios dos suplementos se sobrepõem aos riscos que lhes poderão estar associados.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Estratégias Nutricionais para as corridas de Trail


As corridas de montanha nos últimos anos tiveram um crescimento exponencial, sobretudo as distâncias superiores a 42km. Caraterizam-se por desenrolarem-se em topografias desafiadoras e por vezes em condições ambientais extremas.

Estas provas normalmente tem uma duração superior a 4 horas em que os atletas muitas vezes tem de ser autossuficientes. O consumo de energia durante a prova deve ser igual ou próximo do gasto calórico . Dispêndios superiores a 350kcal/hora durante períodos prologados de exercício (>6horas), resultam numa diminuição da performance. Este equilíbrio energético deve ser satisfeito pela quantidades e número de refeições adequadas à duração da prova.

Os atletas necessitam de consumir grandes quantidades de glícidos (vulgarmente chamados de hidratos de carbono), para fornecer energia ao músculo e ao sistema nervoso central, as recomendações para atletas ultramaratonistas actualmente varia de 7-12g/ dia. Sendo a maior parte proveniente dos glícidos complexos e de baixo índice glicémico (cereais integrais, leguminosas, frutas e produtos hortícolas), todavia quando as necessidades são elevadas é recomendado a utilização de suplementação (barras, gel, bebidas, entre outros).
 
As necessidades proteícas estão aumentadas, devido á sua oxidação durante o exercício prolongado. As necessidades diárias variam de 1,4 a 1,7g/kg ou seja um individuo de 70kg deve de ingerir entre as 98g e os 119g diárias de proteína

 Alem disso o esforço prolongado irá resultar numa depleção das reservas de glicogénio, portanto, a intervenção nutricional e o timing dos nutrientes são factores cruciais para a manutenção do rendimento dos ultramaratonistas. As refeições pré competição (3-4horas) devem de conter entre 200-300g de glícidos, devendo ser adaptada aos hábitos de cada atleta. Estes devem também fazer um ciclo de supercompensação de glicogénio nos dias que antecedem os eventos (10-12g/dia).
 
Durante o exercício prolongado, as fontes de glícidos exógenos são essenciais para manter a glicose sanguínea e o glicogénio muscular. A ingestão deve ser entre 30 a 60g/hora de exercício. Recentemente observou-se que a co-ingestão de proteína e glícidos numa proporção 4:1 resultou num prolongamento do tempo até à exaustão. No entanto o macro nutriente mais importante e que não deve ser negligenciado durante as provas são os glícidos.

A refeição pós exercício deve ser consumida nos primeiros 30 min após o término da prova, devendo conter grandes quantidades de glícidos de elevado índice glicémico para estimular a síntese do glicogénio assim como proteína (ver revista Março de 2013)

Os líquidos e os eletrólitos são factores importantes para o exercio de endurance. A perda de líquidos resulta numa diminuição do rendimento desportivo. Os atletas devem saber qual a sua taxa de sudorese, para que a ingestão seja próxima das perdas. As bebidas devem de conter glícidos (frutose e/ou maltose e/ou glucose), e sódio (10-30mmol/litro), para melhor absorção e prevenção da hiponatremia.

Os alimentos escolhidos devem de fornecer a quantidade de energia e macro e micro nutrientes adequados, mas estes não devem de sobrecarregar o atleta com excesso de peso. Bebidas desportivas, géis, barras são suplementos convenientes para transportar e consumir durante as provas. Os atletas devem praticar estratégias de alimentação individualizadas utilizando uma combinação de alimentos integrais e de suplementos alimentares durante o treino para estabelecer se eles são bem tolerados nas corridas.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A suplementação com antioxidantes pode comprometer as adaptações ao treino.

Nos Estados Unidos da América cerca de 50% dos atletas de elite, 40% dos atletas não elite e 25% dos atletas de recreação, utilizam suplementos antioxidantes diariamente. Existe a ideia generalizada de que qualquer actividade física necessita desuplementação antioxidante. O principal argumento para esta recomendação é que qualquer aumento na actividade física é proporcional ao aumento da produção de espécies reactivas de oxigénio (ERO) e consequente destruição celular, originando uma diminuição do rendimento desportivo.

A prática de exercício físico aumenta a produção de ERO 2-4 vezes comparativamente a indivíduos sedentários; esta alteração do estado redox causa o denominado stress oxidativo nos músculos e outros tecidos, lípidos, proteínas e material genético.
A mitocôndria é o principal local da célula onde se dá a produção das ERO; cerca de 85% do oxigénio é consumido por este organelo. Durante a produção de energia, são utilizadas grandes quantidades de oxigénio para a respiração mitocondrial, sendo aágua o metabolito final. Durante este processo, alguns eletrões formam o RadicalSuperóxido (O2.-), o grande precursor de vários outros radicais livres: Peróxido de Hidrogénio (H2O2), Radical Hidroxiacil (OH.), Radical Peroxil (ROO.), Radical Alcoxil (RO.), entre outros. Oradicais mais importantes, apresentados por ordem de reactividade no organismo: O2.-< ROO. < OH.. O radical O2.- tem uma baixa reactividade celular comparativamente ao OH.ou seja, o OH. causa muitos mais danos celulares.
Existem dois tipos de sistemas antioxidantes: endógenos e exógenos. O sistema endógeno é intrínseco ao organismoou seja, as próprias células estão equipadas com um sistema de defesa antioxidante enzimático e não enzimático (principal agente antioxidante intracelular). Ver: tabela 1.
Antioxidantes Endógenos
Sistema Enzimatico
Sistema não Enzimatico
Superoxido Dismutase
Catalase
Glutationa Peroxidase
Glutationa redutase
Glucose-6-fosfato desidrogenase
Tioredoxina redutase
Glutationa
Acido úrico
NADPH
Coenzima Q
Albumina
Bilirubina

Os antioxidantes exógenos derivam principalmente da dieta (frutas, vegetais e cereais).
Antioxidantes Exógenos
Fonte
Vitaminas C

Vitamina E

Micronutrientes: Zinco e Selenio

Carotenoides (percursores Vit. A)


Polifenois
Meloa, citrinos, maçãs, morangos, brócolos, tomate, couve flor, espinafres
Frutos secos, sementes, cereais

Mariscos, cereais fortificados, iogurte, carne, figado, ovo

Fígado, batata doce, cenoura, abobora, (fruta e legumes de cor verde e amarela)

Soja, frutos secos.

Após o exercício, as concentrações das espécies reativas de oxigénio estão aumentadas; subsequentemente, o sistema antioxidante é activado para eliminar os radicais livres que foram produzidos durante o exercício.
O aumento das ERO induz uma diminuição da capacidade funcional do músculo, alterações histológicas (celular) e dor muscular. Inicialmente pensava-se que esta alteração do estado de redox seria prejudicial para o processo de treino e que prevenir as suas acções seria benéfico. Todavia, novas investigações têm demonstrado que as suas acções são benéficas, desempenhando um papel importante na regulação e transcrição de genes, ou seja, parece que as adaptações ao treino são reguladas pelo estado redox. Os dois factores de transcrição associados a estas adaptações são o NF-KB (factor nuclear), que é responsável pela transcrição de genes do sistema imunitário e inflamatório, e o factor AP1 (proteína activadora), que regula os genes responsáveis pelo crescimento e diferenciação celular. Adicionalmente, o aumento da produção de ERO promove a activação das enzimas antioxidantes endógenas durante o treino.

A produção de ERO durante o exercício é necessária para dar início aos processos adaptativos. Estes processos incluem a regulação das enzimas antioxidantes, sistema dano-reparação celular, redução dos níveis basais de ERO e redução dos danos oxidativos durante o exercício. Assim, o aumento do estado redox é proporcional aos processos adaptativos do treino.
As mais recentes investigações sugerem que a utilização de suplementos antioxidantes (vitamina C e E) pode ser prejudicial, suprimindo as adaptações ao treino e, assim, diminuindo ou mesmo prejudicando o efeito do treino no processo da biogénese mitocondrial (produção de novas mitocôndrias) e subsequente diminuição da performance.
Todavia, grande número destes estudos foi realizado em indivíduos sedentários ou derecreaçãoEste facto pode limitar a interpretação dos resultados, uma vez que a maioria dos atletas de elite que fazem suplementação também apresenta maiores volumes e intensidades de treino que os utilizados nos estudos.
Com base nos estudos sobre o efeito de vitamina E e/ou C no desempenho da performance e o equilíbrio redox, um consumo permanente de altas dosagens destas vitaminas não deve ser recomendado (vitamina C>90mg/dia e vitamina E >15mg/dia).Esta recomendação não deve ser confundida com a alta ingestão de legumes e frutas, que são considerados seguros e benéficos.


1.Sathya A, Siddhuraju P. Role of phenolics as antioxidants, biomolecule protectors and as anti-diabetic factors--evaluation on bark and empty pods of Acacia auriculiformis. Asian Pacific journal of tropical medicine. 2012;5(10):757-65. Epub 2012/10/10.
2.Goto S, Naito H, Kaneko T, Chung HY, Radak Z. Hormetic effects of regular exercise in aging: correlation with oxidative stress. Applied physiology, nutrition, and metabolism = Physiologie appliquee, nutrition et metabolisme. 2007;32(5):948-53. Epub 2007/12/07.
3.Nikolaidis MG, Kerksick CM, Lamprecht M, McAnulty SR. Redox biology of exercise. Oxidative medicine and cellular longevity. 2012;2012:407978. Epub 2012/10/11.
4.Nikolaidis MG, Kerksick CM, Lamprecht M, McAnulty SR. Does vitamin C and E supplementation impair the favorable adaptations of regular exercise? Oxidative medicine and cellular longevity. 2012;2012:707941. Epub 2012/08/29.
5.Yfanti C, Akerstrom T, Nielsen S, Nielsen AR, Mounier R, Mortensen OH, et al. Antioxidant supplementation does not alter endurance training adaptation. Medicine and science in sports and exercise. 2010;42(7):1388-95. Epub 2009/12/19.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Poderão os hábitos alimentares explicar o sucesso da elite africana?

Actualmente os atletas Quenianos e Etíopes detêm cerca de 90% dos records mundiais de todos os tempos nas disciplinas de meio fundo e fundo, bem como o top 10 do ranking mundial.
Existem variadas explicações para este sucesso: factores genéticos, economia de corrida, treino, condições ambientais ou as práticas alimentares.

Mais de 80% destes altetas são originários de duas tribos, a tribo Kalenji  que vivem no Quénia e a tribo Etiope originaria da Zona de Arsi. Ambas situa-se a altitudes superiores a 2000m, vivem da pastorícia e os seus hábitos alimentares pouco se alteraram desde o neolítico (9000ac).
Os regimes alimentares para atletas de endurance recomendam que a ingestão energética diária deve ser igual ao dispêndio. Estes regimes incluem:
·        6 a 10g/kg de peso corporal por dia de glícidos, essencialmente para repor o glicogénio muscular e hepático
·        1,2 a 1,7g/kg/dia de proteína, indicação esta superior ao recomendado para um homem adulto saudável, isto porque a taxa de oxidação é muito maior durante o exercício e a necessidades para síntese e reparação do tecido muscular também está aumentada.
·        As necessidades hídricas variam de acordo com o treino e condições ambientais, o intervalo recomendado para atletas de endurance é de 1 a 1,5 ml por cada caloria  ingerida.

Os atletas de elite africanos consomem diariamente 3000 a 3200kcal diárias, distribuídas pela seguinte forma:
ü  65%-75% de  glícidos, o que corresponde a 441-545g/dia (8,1-9,7g/kg/dia),
ü  12% de proteínas, o que equivale a 1,76g/kg/dia sendo 76% de origem vegetal
ü  23% lípidos (83g/dia), garantindo um bom aporte das vitaminas lipossolúveis e ácidos gordos essenciais.
O pequeno-almoço e lanches consistem em leite, papas de cereais (cozidas com leite ou agua com adição de mel ou açúcar), ovos e pão. As refeições principais  (almoço e jantar): massa, arroz, leguminosas, carne (apenas fornecida 2x/semana), vegetais e fruta. Cerca de 88% do total de energia ingerida derivava de fontes vegetais. Apenas 10% dos atletas inquiridos utilizam suplementos (glícidos, aminoácidos Bcaas e glutamina).
O total de água ingerida é de 3200ml, 1750ml derivam da água e os restantes 950ml dos alimentos ingeridos. É de salientar que estes atletas não fazem qualquer tipo de hidratação pré e durante o exercício e apenas um pequeno número ingerem líquidos apos o treino. A quantidade de agua ingerida diariamente é menor do que a recomendada. Os atletas podem ingerir pouca água, no entanto, com os alimentos que ingerem contem grandes quantidades de água as suas necessidade colmatadas.

Comparativamente às recomendações para os atletas de endurance, os atletas de elite africanos cumprem os intervalos recomendados com excepção da água ingerida.
Todavia comparativamente aos atletas de elite ocidentais,  existem diferenças significativas no tipo de alimentos ingeridos. Os atletas africanos consomem muito mais alimentos de origem vegetal (88%), garantindo um bom aporte de vitaminas e minerais, que são essências para a recuperação e manutenção da performance. A quantidade de gordura monoinsaturada e polinsaturada é superior, assim como a quantidade de glícidos. Os atletas ocidentais consomem cerca de 50% de glícidos da sua energia total ingerida o que é muito inferior aos atletas africanos. A quantidade de proteína ingerida pela elite africana é muito similar aos atletas de elite ocidentais, no entanto as suas fontes são completamente distintas. Cerca de 76% da proteína ingerida deriva de fonte vegetal enquanto nos atletas ocidentais a principal fonte é animal. O que traduz numa maior quantidade de gordura saturada ingerida.

Os hábitos alimentares podem ser ou não, a principal razão do sucesso dos atletas Quenianos e Etíopes. De facto a sua dieta é diferente dos restantes atletas. Se estas diferenças podem justificar o sucesso desta elite? São necessários mais estudos para responder a esta questão.