segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Tipo/Timing/Quantidade de glícidos no Exercício

Por: Dietista Mafalda Ng

Os glícidos, também designados de hidratos de carbono (HC), constituem o maior substrato energético das funções celulares essenciais para o normal funcionamento do organismo. Os glícidos exógenos (provenientes da alimentação) são oxidados e convertidos em glicose, que pode ser imediatamente utilizada para produzir energia, ou ser armazenada sob a forma de glicogénio muscular e hepático.

Desta forma, e em condições normais, o organismo dispõe de reservas glicídicas endógenas - glicogénio presente no músculo e no fígado, e glicose presente no sangue. Estas reservas constituem as principais fontes de glicose ao músculo e sistema nervoso central, necessárias para um indivíduo exercer força muscular. Porém, estas reservas apenas são suficientes durante cerca de 90 minutos de exercício de intensidade moderada a intensa. Se o exercício muscular continuar, sem qualquer ingestão de glícidos, existe uma depleção progressiva das mesmas até se atingir um estado de hipoglicémia (níveis baixos de glicose no sangue). A este estado de depleção glicogénica atribui-se a expressão “hitting the wall” dado que não permite ao atleta continuar a exercer o movimento muscular de forma eficaz, sendo obrigado a abrandar o passo ou até mesmo parar.

A adequação da ingestão glicídica antes, durante e depois do treino é fundamental para garantir a performance desportiva durante os ciclos de treino e competições de um atleta, dado que permite a manutenção das reservas de glicogénio. Desta forma, glicogénio muscular pode ser recuperado em cerca de 5% por hora, sendo necessárias 24 horas para repor totalmente as reservas que foram depletadas.


De acordo com as recomendações para a população geral, 45 a 65% do valor energético total da dieta deve provir dos glícidos - obtidos principalmente através de cereais integrais, fruta e leguminosas - no entanto, esta recomendação glicídica em termos percentuais não é adequada para atletas dado que estes apresentam um dispêndio energético muito acima do “normal” e portanto, uma maior necessidade em glícidos. A ingestão de glícidos para atletas deve ser adequada ao seu peso e ao custo energético do treino, de forma a recuperar totalmente, em 24 horas, as reservas de glicogénio que foram gastas durante o esforço físico. As necessidades glicídicas diárias de um atleta podem variar entre 5 e 7 gramas por kilograma de peso para atletas com um programa de treino moderado, e entre 7 a 12g/kg para atletas com um programa de treino moderado a elevado. Como exemplo, um atleta com 60kg pode ter de ingerir entre 300 a 720g de glícidos por dia dependendo das caraterísticas do treino (tipo, intensidade, duração e frequência). Uma restrição deste nutriente na alimentação de um atleta interfere significativamente na síntese de glicogénio e o seu reabastecimento torna-se ineficaz.

Antes do treino, a refeição deve ser rica em glícidos de forma a aumentar as reservas de glicogénio muscular e hepático, e mantê-las ao longo do mesmo. Esta refeição poderá ocorrer entre 1 a 4 horas antes de se iniciar o treino (dependendo da tolerância gastrointestinal do atleta), e a quantidade de glícidos deve ser de 1 a 4g/kg, de acordo com este tempo. Ou seja, o atleta de 60kg deve ingerir 60g ou 240g de glícidos se pretender iniciar o treino dentro de 1 ou 4 horas, respetivamente. Nesta refeição, os alimentos líquidos apresentam maiores benefícios em relação aos sólidos dado que para além de serem mais rapidamente digeridos, não deixam resíduos gástricos. Tem-se verificado um efeito adicional positivo quando uma ingestão pré-treino é associada à ingestão durante o treino.


Durante o treino, permanece o objetivo em manter os níveis de glicose sanguínea adequada para exercer o esforço físico. Durante os treinos curtos (cerca de 60-90 minutos), não há necessidade da ingestão de glícidos dado que as reservas de glicogénio muscular e hepático são suficientes para manter estes níveis. Um atleta consegue manter o esforço físico durante este período apenas com a ingestão hídrica. No entanto, há evidência de que em treinos com duração de 45-75 minutos, bochechar quantidades muito pequenas de glícidos, de sabor doce ou mesmo neutro durante 5 a 10 segundos, desencadeia mecanismos do sistema nervoso central que provocam uma sensação de bem-estar e recompensa e consequentemente, aumento da performance em 2 a 3%. As bebidas isotónicas são uma boa estratégia nestes casos.

Contrariamente, em treinos prolongados cuja duração é superior a 60-90 minutos e a intensidade moderada a elevada, as reservas de glícidos endógenos começam a entrar em depleção, sendo por isso necessário garantir a ingestão glicídica de forma a manter os níveis de glicose sanguínea adequados e poupar o glicogénio. Esta estratégia permite travar a fadiga e alcançar uma maior capacidade de resistência e performance do atleta. Verificam-se benefícios aquando da ingestão de 0,5 a 1g/kg por hora em treinos prolongados, e portanto, as recomendações indicam que durante um treino de 1 a 2 horas e meia (exercício de resistência e/ou interminente) a ingestão glicídica deve ser de 30 a 60g por hora, e quando este se prolonga para mais de duas horas e meia (exercício de resistência ou ultra-resistência) deverá subir para valores de 80 a 90g por hora. As barras energéticas e géis são opções práticas capazes de proporcionar estas quantidades glicídicas durante o treino. É necessário ter em conta que para ingerir quantidades elevadas de glícidos (80-90g), estes devem ser de vários tipos – glicose, frutose e sacarose - de forma a não comprometer a sua absorção intestinal por saturação dos transportadores de glicose. Assim, um atleta deve ingerir 80-90g de glícidos de várias fontes (e.g. cereais e fruta) ao invés de uma só fonte.

Após o treino, é necessário um rápido reabastecimento das reservas de glicogénio muscular e hepático para uma recuperação eficaz entre treinos e competições, com consequente aumento da força e resistência para as próximas sessões de treino. A duração e a intensidade do treino determinam a quantidade de glicogénio que foi utilizado, e qual a quantidade glicídica que é necessário ingerir para a sua reposição.  A refeição pós-treino deve acontecer até 2 horas após o exercício, dado que é durante este período, designado de “janela de oportunidade”, que a reposição de glicogénio é mais eficaz. Este facto deve-se ao volume de sangue que circula até aos músculos ser mais elevado, e às células musculares estarem mais sensíveis aos efeitos da insulina e captarem melhor a glicose. Relativamente à quantidade, tem-se verificado que o pico máximo de síntese de glicogénio é atingido aquando da ingestão glicídica de 1g/kg por hora, associada a 15-25g de proteínas de alto valor biológico, durante as primeiras 4 horas após terminar o treino. Obtém-se melhores resultados quando, durante estas 4 horas, a ingestão é frequente (com intervalos de 15 a 30 minutos) e em pequenas quantidades, comparativamente à ingestão de grandes quantidades de 2 em 2 horas. Mais uma vez como exemplo, o atleta de 60kg após terminar um treino com duração de 1 hora deve ingerir 60g de glícidos, enquanto que se o treino teve uma duração de 2 horas deverá ingerir 120g de glícidos (juntamente com as 15-25g de proteína), de forma frequente e em pequenas quantidades.

Relativamente ao tipo de glícidos que devem ser ingeridos nestes períodos ainda existem algumas controvérias. Maior parte dos estudos recomendam a ingestão de glícidos de baixo índice glicémico (IG) antes do treino, e de moderado a elevado índice glicémico durante e após o treino. No entanto, não é propriamente o tipo de glícidos que importa mas sim, garantir que durante as 24 horas de recuperação o atleta ingira as quantidades glicídica e energética adequadas. A importância de associar a proteína aos glícidos no pós-treino deve-se ao facto destas potenciarem a síntese de glicogénio muscular.


Em suma, o tipo, timming e quantidade de glícidos a ingerir devem ser sempre individualizados de acordo com as caraterísticas do atleta e do programa de treino.